A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos representa mais do que um triunfo político: é o reflexo de uma sociedade em transformação, acelerada pelas redes sociais, pela proliferação de fake news e por um cansaço evidente em relação aos modelos de comunicação tradicionais dos partidos. O que acontece nos Estados Unidos tem repercussões directas e indirectas em países como Portugal, onde movimentos populistas como o Chega, liderado por André Ventura, encontram terreno fértil entre aqueles que já não se identificam com os partidos tradicionais.
O Poder das Redes Sociais e as Fake News
As redes sociais têm, nos últimos anos, moldado a forma como as pessoas interagem com a informação. Com um algoritmo que prioriza conteúdo polarizador, estas plataformas transformaram-se num palco de debates intensos e, frequentemente, desinformados. Na campanha de Trump, as redes sociais foram novamente utilizadas para reforçar a sua base de apoiantes, mesmo que à custa de fake news. Notícias falsas, muitas vezes criadas para alimentar teorias da conspiração ou denegrir adversários, encontraram uma audiência disposta a acreditar e a partilhar sem questionamento.
A rapidez com que a desinformação circula e se dissemina nas redes sociais coloca em xeque a credibilidade das fontes tradicionais de informação e torna-se um desafio para a democracia. Assim, não só nos EUA como em Portugal, as redes sociais amplificam vozes que, de outra forma, permaneceriam à margem do debate público. Em muitos casos, figuras populistas conseguem criar uma “bolha” de informação que reforça a sua narrativa e isola os seguidores de versões alternativas da realidade.
O Fenómeno André Ventura e o Partido Chega em Portugal
O Chega, liderado por André Ventura, capitalizou em Portugal esta mudança na dinâmica de comunicação e a crescente insatisfação com os partidos estabelecidos. Inspirado, em certa medida, pelo sucesso de figuras populistas como Trump, Ventura construiu uma base de apoio sólida, principalmente entre aqueles que se sentem abandonados pelo sistema político. Ele apela a sentimentos de insatisfação, indignação e até de medo, oferecendo uma visão simplista para problemas complexos.
As redes sociais foram fundamentais para Ventura alcançar um público que antes estava desconectado da política e, muitas vezes, desencantado com os partidos tradicionais. Ao evitar os canais de comunicação convencionais e preferir uma abordagem directa, o líder do Chega fala a uma população que se sente ignorada e oprimida pelas elites políticas.
O Cansaço com os Modelos Tradicionais de Comunicação dos Partidos
A vitória de Trump e o crescimento do Chega revelam um cansaço generalizado com os modelos de comunicação política dos partidos tradicionais, que muitas vezes se mantêm distantes e inacessíveis. Em contraste, Trump e Ventura optaram por abordagens de comunicação não convencionais, directas e sem filtro, conquistando eleitores cansados de discursos formais e de promessas vazias.
Este cansaço reflecte uma desconexão entre as classes políticas e os eleitores, que não se veem representados nas mensagens dos partidos tradicionais. Estes partidos, ao manterem estratégias de comunicação pouco adaptadas aos tempos modernos, deixam escapar a possibilidade de falar directamente à população. Quando os partidos tradicionais falham em acompanhar o ritmo das mudanças na comunicação e em responder aos problemas reais dos cidadãos, criam espaço para que populistas de ambos os espectros ocupem a cena.
O Papel do Eleitor: Pensar Criticamente e Questionar
Num mundo onde a informação é abundante, é imperativo que as pessoas voltem a pensar por elas mesmas, questionando a informação que recebem em vez de aceitá-la passivamente. As redes sociais e a Inteligência Artificial facilitam o acesso a dados e notícias, mas também reforçam narrativas simplistas, polarizadas e, muitas vezes, manipuladoras. Este ambiente exige uma postura activa por parte do cidadão, que deve aprender a distinguir entre fontes confiáveis e conteúdos que servem agendas políticas ou económicas.
O pensamento crítico é essencial para fortalecer a democracia e preservar a autonomia individual. Mais do que nunca, torna-se crucial que cada pessoa recupere o hábito de questionar, de verificar, e de pensar para além dos títulos e dos conteúdos superficiais. Esta capacidade de reflexão deve ser ensinada e incentivada desde cedo, e é aqui que disciplinas como a Filosofia desempenham um papel vital. A Filosofia ensina a argumentar, a avaliar e a compreender as complexidades do mundo, competências indispensáveis numa sociedade dominada por fluxos incessantes de informação e por uma imprensa que, por vezes, falha em cumprir o seu papel ético de informar com rigor.
A Importância da Educação Filosófica numa Sociedade Vergada à AI e à Desinformação
Com o avanço da IA e o impacto das redes sociais, a Filosofia assume um papel de resistência ao conformismo digital e ao consumismo de informação rápida. Se não cultivarmos a capacidade de questionar, arriscamo-nos a tornar-nos meros receptores de ideias alheias, sem filtro e sem entendimento. A Filosofia oferece as ferramentas para desmontar falácias, questionar autoridades e pensar de forma independente — qualidades fundamentais para resistir a uma sociedade cada vez mais automatizada e, muitas vezes, guiada por interesses comerciais e políticos.
O Papel do Eleitor e a Responsabilidade das Instituições
A vitória de Trump e a ascensão de Ventura também levantam uma questão importante sobre o papel do eleitor e a responsabilidade das instituições em promover a educação mediática. O fenómeno das fake news e a influência das redes sociais exigem uma população informada, capaz de questionar as fontes e de distinguir factos de ficção. Sem uma educação mediática robusta, a democracia continua vulnerável a manipulações e distorções que ameaçam os valores democráticos fundamentais.
Além disso, as instituições jornalísticas e os reguladores devem desempenhar um papel activo na fiscalização do conteúdo online e na promoção de um espaço digital mais seguro e confiável. Contudo, a censura ou a regulação excessiva não devem ser a solução, pois também ameaçam a liberdade de expressão. A resposta reside num equilíbrio cuidadoso entre a preservação das liberdades e a protecção da integridade da informação.
Conclusão: Um Apelo à Reflexão, à Filosofia e à Renovação
O efeito Trump nos EUA, o efeito Ventura em Portugal e a transformação da comunicação política são temas que não podem ser ignorados. A política precisa de se renovar e adaptar-se aos tempos modernos, onde o eleitor não se contenta com uma comunicação vertical, mas exige uma comunicação horizontal, participativa e autêntica.
Cabe aos partidos tradicionais e aos novos movimentos compreenderem esta mudança e adaptarem-se. No fim, o desafio será equilibrar a inovação com a responsabilidade, num mundo onde a verdade é cada vez mais difícil de definir e onde as redes sociais se tornaram o campo de batalha da opinião pública. A vitória de Trump é um alerta: é tempo de reavaliar o papel das redes sociais, a importância da verdade, o valor da Filosofia e a necessidade de um modelo político que responda aos anseios da sociedade de forma ética e transparente.
Miguel de Sousa Major, autor da obra literária Nexus: O Futuro das Cidades