Transformação do Trabalho e dos Recursos Humanos.
Vivemos uma época em que a inteligência artificial (IA) está a redefinir a forma como trabalhamos, colaboramos e pensamos o futuro das organizações. Este avanço, que começou por ser visto como uma possibilidade distante, é hoje uma realidade incontornável que desafia empresas, trabalhadores e líderes a adaptarem-se a uma nova era. O recente estudo Outplacement and Career Mobility Trends Report 2024, da consultora LHH, reforça esta ideia, ao mostrar que 73% das empresas já estão a realizar ou a considerar alterações nas suas estruturas de recursos humanos.
Contudo, nesta corrida pela transformação digital, há uma premissa que não pode ser ignorada: antes de uma transformação digital, é imprescindível uma transformação antropológica. A verdadeira mudança começa nas pessoas, nos valores que orientam as decisões e na forma como entendemos o papel do trabalho na sociedade. Sem essa base, qualquer tentativa de digitalização corre o risco de se tornar desumana, ineficaz e desconectada da realidade.
O impacto da IA na gestão de talentos.
O relatório da LHH evidencia que a IA não é apenas mais uma ferramenta, mas um motor de transformação que está a alterar profundamente as dinâmicas laborais. Desde a automação de tarefas até à personalização de estratégias de gestão de talento, a IA está a tornar-se central para a eficiência das organizações. No entanto, esta transição está longe de ser linear.
Se, por um lado, a IA promete maior produtividade, por outro, levanta questões sobre o papel das pessoas no local de trabalho. A falta de competências adequadas e as lacunas de formação emergem como uma das principais razões para despedimentos, superando motivos tradicionais como o excesso de contratações. Isto deve fazer-nos reflectir: estamos a preparar as nossas equipas para as exigências do futuro ou a deixá-las para trás num mercado em constante evolução?
Mais do que investir em tecnologia, é urgente investir em pessoas. Este investimento não se limita à aquisição de novas competências técnicas, mas inclui uma reavaliação profunda da cultura organizacional. Apenas assim poderemos garantir que as pessoas, e não apenas as máquinas, continuam a ser o centro da transformação.
As preocupações dos trabalhadores e líderes.
O estudo revela ainda uma tensão crescente entre empregadores e trabalhadores. Enquanto 36% dos colaboradores temem a perda do emprego e 31% ponderam mudar de posição nos próximos 12 meses, há sinais claros de que os trabalhadores procuram mais do que apenas estabilidade económica. Querem ser ouvidos, valorizados e respeitados como indivíduos, não apenas como recursos produtivos.
Num cenário onde a adaptação tecnológica é inevitável, a forma como as empresas gerem esta transição pode fazer toda a diferença. A comunicação clara, o envolvimento ativo dos trabalhadores nas decisões e o reconhecimento do seu papel na mudança são elementos fundamentais para manter o equilíbrio e a confiança nas organizações.
A flexibilidade como prioridade.
Outro ponto que merece destaque no relatório é a crescente valorização da flexibilidade por parte dos trabalhadores. Num mundo onde o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional ganha cada vez mais importância, 50% dos colaboradores consideram a flexibilidade um factor determinante para permanecerem numa empresa.
No entanto, muitas organizações ainda privilegiam benefícios tradicionais, negligenciando o impacto transformador de práticas mais flexíveis. Esta desconexão entre as expectativas dos trabalhadores e as práticas empresariais é um sinal de alerta. O futuro exige modelos de trabalho que respeitem o ritmo de cada indivíduo, promovendo ambientes colaborativos e sustentáveis.
Transformação antropológica: o ponto de partida.
A transformação digital é inevitável, mas sem uma transformação antropológica, perde-se a oportunidade de criar algo verdadeiramente significativo. Antes de pensarmos em algoritmos e automação, devemos pensar em valores, em ética e no propósito que guia as nossas ações.
As empresas que liderarem este movimento não serão apenas tecnologicamente avançadas, mas também humanamente relevantes. Serão organizações que entendem que o progresso não se mede apenas em eficiência, mas na capacidade de cuidar, de inspirar e de transformar vidas.
A IA é uma ferramenta poderosa, mas é apenas isso: uma ferramenta. O seu impacto depende das pessoas que a utilizam, das decisões que tomam e da visão que as orienta. Uma transformação digital bem-sucedida começa com uma transformação humana, onde as máquinas servem as pessoas – e não o contrário.
O futuro do trabalho não será definido pela tecnologia, mas pela forma como escolhemos integrá-la nas nossas vidas. E essa escolha começa agora.
Por Miguel de Sousa Major, autor da obra literária Nexus: O Futuro das Cidades